POR DEUS E PELO REI (I)


15 DE JUNHO 1614 – Chega ao Ceará, provavelmente onde se situa a atual cidade de Fortaleza, um navio francês, sob o comando de Du Prat, trazendo trezentos homens para a colônia do Maranhão e doze missionários capuchinhos entre os quais o comissário frei Arcângelo de Pembrock. Du Prat manda a terra 80 de seus homens, que são repelidos pela gente do presídio ou fortificação, entusiasmada pelas prédicas e pelo valor do Padre Baltazar João Correia, considerado o primeiro Vigário do Ceará.
O Barão Studart transcreve, em latim, uma correspondência travada entre o Padre Baltazar João Correia e o Frei Agatângelo de Pembroch.
No precioso livro “Os Franciscanos no Maranhão e no Grão-Pará”, Maria Adelina Amorim esclarece com minúcias a presença dos missionários Capuchinhos franceses em terras maranhenses, considerados os pioneiros na evangellização dos nativos, destacando o Frei Arcângelo de Pembroke (sic), Comissário da Ordem, vindo no novo contingente sob o comando de Du Prat, haja vista que a missão dos franciscanos fora ressaltada na proclamação de 01 de Novembro de 1612, no Forte de São Luís do Maranhão, quando se fundou a França Equinocial: “quaisquer que sejam as qualidades e condições, que temam, sirvam e honrem a Deus; que guardem os santos mandamentos; que não blasfemem em seu santo nome, sob pena de multa e punições corporais; ordenamos a todos, a quem quer que seja, que honrem os reverendos padres capuchinhos, enviados por Sua Majestade a fim de implantarem entre os índios a Religião Católica, Apostólica e Romana; ordenamos que ninguém, qualquer que seja a condição, embarace ou perturbe os ditos capuchinhos no exercício da religião ou de sua missão de conversão das almas dos índios, isto sob pena de morte”.
Graças à prestimosidade do virtuoso Frei Roberto Magalhães, contando 88 anos de idade e pertencente à Ordem dos Capuchinhos de Fortaleza, registro no vernáculo a correspondência dos dois religiosos:
DO PADRE BALTAZAR JOÃO CORREIA
“Glória ao Senhor Pai e ao Filho que ressuscitou dos mortos e ao Paráclito pelos séculos dos séculos Amém.
Caríssimos e Reverendíssimos irmãos.
Tomado de surpresa, não posso deixar de escrever-vos, tomando-vos sabedores da injusta guerra travada pelos vossos soldados contra mim e meus filhos.
É próprio de todos os religiosos promover a paz e não a guerra. Se ficastes em paz no vosso navio, os vossos soldados aqui vieram travando a mais terrível guerra contra nós. Enquanto eu dormia, eles ocuparam o forte. Mas, se vierem de novo encontrar-me-ão vigilante. Entre mim e eles originou-se então, uma pequena luta; eu sozinho com dois indígenas adolescentes, pois os outros estavam completamente embriagados. O comandante saíra rumo à outra parte da margem com os soldados lusitanos; esperava que os vossos, descendo das barcas, se apossassem do litoral. Logo que estes voltem, irei imediatamente a seu encontro com grande ruído, isto é, com flechas e escopetas.
Desejo que nada ignoreis a respeito dos usos dos meus soldados, ou melhor, sabei o que já é bem notório: o meu povo indígena combate naturalmente nu, sem couraças, sem escudos, mas só com flechas. Uma delas, na pequena luta, atravessou o braço de um dos vossos; outro foi derrubado por terra pelo meu bastão; um terceiro, sem ter arnês correu a toda velocidade. Foi isso o que aconteceu durante o meu semi-sono. Mas se eu estivesse preparado e os outros soldados com o comandante estivessem presentes, talvez todos os vossos oitenta fossem agora objeto da vossa saudade. Assim o vosso grande navio estaria mais leve. Não obstante, a vergonha deles foi enorme, porque, sendo tantos, foram obrigados a fugir de tão poucos, voltando a esconder-se no navio com dois gravemente feridos. Disso os vossos são testemunhas. Interrogai-os e pelos ferimentos os conhecereis.
Sou um sacerdote de verdade e não procuro a guerra. Mas se me desafiarem na luta corporal, deixarei de lado o sacerdócio. Por Deus e pelo rei considero pouco dar a vida. Acabais de ver como, para qualquer circunstância, estou preparado com os meus lusitanos e indígenas aos quais todos os dias, por duas vezes, instruo na doutrina evangélica.
Gostaria, entretanto, de ter um encontro pessoal, somente nós como verdadeiros irmãos da Igreja, para nos confessar (para mim não existe algo mais útil) e, se houver mais alguma coisa a tratar, marcai para mim um bom lugar e hora. O Deus ótimo e máximo esteja entre nós.
Gaiana, 16 de junho de 1614.
Vosso indigníssimo servo no Senhor Jesus.
Padre Baltazar João.
(Por mãos próprias dos frades gauleses, se porventura se encontrarem na nau gálica)”

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