OS HORRORES DA SECA (II)


No meio de huma desgraça tão grande, e tão geral, e quando já fallecem todos os soccorros da parte dos Cidadãos particulares para salvar o povo da cruel morte da fome, que principia a apparecer por muitos lugares, e mesmo pelos circunsvizinhos desta Capital, para onde tem affluido hum excessivo numero de indigentes e mendigos, que enchem as ruas dia e noite, dando o espetáculo mais triste e afligidor, he fora de duvida, que ao Governo incumbe salvar esse povo miserando, lançando mão de todos os meios que a necessidade urge, que aconcelha e reclama a justiça, a naturesa e a humanidade, e que prescrevem a Constituição e Leis Civis do Estado.
Fundado nestes princípios, e compellido pelos sentimentos de compaixão, que me dilacera o coração pela sorte dos habitantes desta Província, em que nasci, e a quem tudo devo, e a quem sempre amarei na mais doce e suave effusão de meo espírito, em vou emplorar, e supplicar e instantemente de V. Excia huma esmola diária, ou semanal para o povo desta Capital, e das Povoaçoens para onde os gêneros possão ser transportados, dos viveres que existem mandados pelo Governo Imperial, e dos que V. Excia poder haver a custa do Estado, destribuida esta esmolla da maneira, que a V. Excia parecer mais conveniente, fasendo ao mesmo tempo applicar a hum trabalho útil e moderado todos os indigentes, que della se aproveitarem, a fim de tiral-os da occiozidade, que he fonte e origem de todos os vícios.
Não he possível, que por esta minha justa supplica eu possa nem levemente offender os sentimentos de fhilantropia, que animão a V. Excia, e de que dão publico testemunho as providencias já por V. Excia tomadas a semelhante respeito: não, eu só tenho em vistas satisfaser hum dever da minha consciência, e unir meos votos e clamores aos de todos os Cearenses, que na mais dura consternação, em que se vêem, só esperão o remédio de Deos, e do seo Governo, que não as abandonará aos horrores da fomes, e de todas as suas terríveis conseqüências : Eu avanço a este procedimento a este procedimento, por que estou persuadido que V. Excia tem em suas mãos os meios de salvar este povo, uzando da sabia e previdente disposição do art. 48 da Lei de 4 de Outubro de 1831, explicado pelo Decreto de 7 de Maio de 1842, e provavelmente por outras disposições e ordens do Governo Imperial, em conseqüência do credito amplo e indefinido, que lhe fora consedido pelo Poder Legislativo, para soccorrer esta Província, e as da Parahiba e Rio Grande do Norte, quase em idênticas circunstancias.
Digne-se V. Excia de acolher benignamente esta minha supplica, que, quando enfelizmente não possa produsir o fim, a que se destina (o que Deos não permitta) servirá ao menos para desalojar a magoa de meo coração, e tranquilisar minha consciência de não ter faltado a hum dever, que me impõe a naturesa, como homem, a Religião, de que sou Ministro, e as vezes d´hum Prelado, cujo coração terno e compassivo, não pode ser insensível aos males, que pesão sobre esta talves a mais cara e mimosa porção de seu rebanho. Deos Guarde a V. Excia.


(APECE)

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