CEARÁ – ‘TERRA DE NINGUEM”

Quando em 1640 Portugal separou-se da Espanha, após 60 anos de união dinástica, o novo monarca, o Duque de Bragança, aclamado D. João IV, tinha 3 tarefas pela frente. A primeira, na Europa, o reconhecimento internacional do Reino e do trono, convindo frisar que nessa tentativa encontraria sérias dificuldades, destacando-se a resistência do Papado por quase 30 anos; a segunda, na Península Ibérica, a defesa das fronteiras contra o inevitável ataque do poderoso vizinho; e a terceira, no ultramar, a reivindicação das colônias que, na América, na África e na Ásia, haviam sido perdidas para os Paises Baixos. No Brasil, a Companhia das Índias Ocidentais, que representava os interesses da Holanda, havia dominado o litoral do Nordeste entre o Ceará e o rio São Francisco. Como se sabe, o domínio holandês no Brasil se estendeu de 1630 a 1654 no campo militar e político. As negociações diplomáticas para a recuperação do Nordeste se iniciaram em 1641 e somente foram concluídas em 1669, com a definitiva compra através da entrega do sal de Setúbal e de duas províncias no Malabar, na India. Os holandeses foram duros nas negociações pois não se conformavam com a perda do açúcar do Nordeste. No decorrer das negociações, que incluíram subornos de altas quantias pagas pelos portugueses, os diplomatas dos Paises Baixos apresentaram em 1848 os famosos 19 Artigos contendo suas reivindicações. O 1º artigo, que é o que nos interessa de perto, dizia: “Restituição inteira de todas as fortalezas e terras que possuíam desde o Rio Real, da parte do Sul, até o Rio Grande, da parte do Norte, deixando a Capitania do Maranhão à Sua Majestade, porém que a do Ceará, se desmantelaria e ficasse deserta”. Esta proposta foi rejeitada por D. João IV, não sem antes receber o parecer favorável do Padre Antonio Vieira, personalidade importante nas negociações, tendo permanecido vários meses na Holanda representando Portugal. O Padre Vieira lançou diatribes contra diversos Conselheiros do Rei, tachando-os de ignorantes; dizia que um desses Conselheiros era de tal modo ignorante que, ouvindo que o apresamento de naus portuguesas em águas brasileiras devia-se a que os barcos holandeses sempre ganhavam o barlavento, propusera que “se mandasse fazer logo uma fortaleza nesse barlavento”, com o que escusaria de “ter aí esse valhacouto”. O que é certo é que graças a ignorância ou não desses Conselheiros, o Ceará não permaneceu como “terra de ninguém” como queriam os holandeses. Essas informações constam do livro O negócio do Brasil, Portugal, os Países Baixos e o Nordeste (1641-1669), de Evaldo Cabral de Mello – Lisboa – Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses – 2001.
ESCRAVA ADJUDICADA PARA PAGAMENTO DAS CUSTAS

No dia 16 de novembro de 1877, faleceu em Pedra Branca, Ceará, o Major Manoel Joaquim Cavalcante, deixando viúva d. Joanna Baptista Vieira. No dia 7 de dezembro subseqüente, o Juiz de Direito, doutor José Patrício de Castro Natalense, acompanhado do escrivão Delfino Alves Pinheiro e Lima, comparece à casa da viúva d. Joanna Vieira para tomar por termo, sob juramento sobre os Santos Evangelhos, as primeiras declarações da inventariante. Assinou o termo, a rogo da inventariante, por não saber ler, o seu filho José Cavalcante de Albuquerque. Antes de relacionar os bens existentes, d. Joanna declarou como herdeiros, dentre outros, seu filho Dr. Manoel Joaquim Cavalcante de Albuquerque, com 35 anos e exercendo o cargo de Juiz de Direito em Russas. Em 7 de abril de 1878, o Dr. Manoel Joaquim formula nos autos do Inventário o seguinte requerimento:
“Illmo. Snr. Juiz de Órfãos. Diz Manoel Joaquim Cavalcante de Albuquerque que, tendo sido separada para pagamento das custas a escravinha Maria, no inventário do seu finado pai, que se está procedendo por este Juízo, requer a V.Sa. se digne mandar adjudicar-lhe, ficando o suplicante responsável pela quantia por que foi avaliada a mesma escravinha. Nestes termos o suplicante pede a V. Sa. se digne deferir na forma requerida”. O Juiz de Direito deferiu o requerimento do dr. Manoel Joaquim e posteriormente consignou: “Julgo a partilha, por sentença, e mando que se cumpra e guarde, como nela se contem; adjudico ao herdeiro Dr. Manoel Joaquim Cavalcante de Albuquerque a escravinha Maria, separada para o pagamento das custas, pagas as mesmas pro rata. Pedra Branca, 18 de setembro de 1878. José Patrício de Castro Natalense”. Nos autos do Inventário, arquivados no 1º Cartório da Comarca de Pedra Branca, consta a relação dos escravos, num total de 10, pertencentes ao Major Manoel Joaquim Cavalcante, sendo Maria, a de nº 9, com 6 anos de idade, mais ou menos, mulata, de filiação ignorada, avaliada pelos louvadores (avaliadores) em duzentos mil reis.