O Porteiro da Religião
Lançamento na Oboé Cultural
14 out 2010
Explanação proferida por Geová Lemos Cavalcante
Senhoras e Senhores, boa noite!
Estamos aqui para evocarmos a memória da maior figura popular do Ceará; trata-se de Manoel Cavalcante Rocha ou Manoel C. Rocha ou M. C. Rocha, como se assinava, ou simplesmente MANEZINHO DO BISPO, como ficou conhecido. Este livro, intitulado O PORTEIRO DA RELIGIÃO – Os escritos do Manezinho do Bispo – não é de minha autoria. O autor é Manezinho. Eu só tenho um mérito: consegui reunir quase integralmente os opúsculos e catalogar 234 artigos do Manezinho publicados no jornal Correio do Ceará entre os anos de 1916 a 1923. Manezinhho tinha o desejo de publicar esses artigos como registrou no dia 30 de junho de 1919 (fls. 138); morreu aos 57 anos de idade em 30 de julho de 1923 sem concretizar esse desejo. Os detalhes da elaboração desta Pesquisa estão registrados na Nota Explicativa, mas ainda assim permito-me dizer que fui à Biblioteca Nacional no Rio de Janeiro e manualmente copiei 73 artigos do Manezinho inseridos na Coleção do Correio do Ceará pertencente ao acervo daquela instituição. Somente uma entidade do porte da Oboé Cultural poderia resgatar essa Coleção, não podemos esperar pela ação tardia ou nunca do poder público. Lá, tirei 10 fotografias para comprovação da existência da Coleção; peço escusas pela imperfeição técnica das fotos constantes do livro, pois sou inábil nesse ofício; no livro, introduzi 60 anotações; poderia ter feito 100, mas achei prudente reduzir para não tornar a obra muito densa; me arrependi. Muitos não entenderão o que pretendia o Manezinho com a sua linguagem cifrada e enigmática ou tosca, como dizia. Querem um exemplo? D. Joaquim José Vieira renunciou à Arquidiocese e foi morar numa casa pertencente à União do Clero, onde hoje funciona o Grupo Escolar Clóvis Beviláqua na Avenida Dom Manoel. Tempos depois, D. Joaquim retornou para Campinas, em São Paulo. Alguém chamou Manezinho de ingrato por não haver acompanhado D. Joaquim, o seu grande protetor. Manezinho candidamente respondeu nas páginas 319: “O escriptor destas linhas, não deixou o seu bom patrão, como alguem pensou, elle é que foi embora, neste caso, Deos o leve a salvamento, que seja bem feliz
Mas antes de fazer uma breve explanação sobre alguns aspectos da obra de Manezinho, de si redundante em razão das palavras do professor Horácio Dídimo, quero cumprimentar os presentes na pessoa do Frei Roberto Magalhães, com vigorosos 90 anos de idade, homem santo e intelectualmente aprimorado: tradutor de italiano e de latim e estudante de inglês e que muito me tem ajudado espiritual e intelectualmente. E da matriarca Alba Cavalcante Barroso, sobrinha-neta do grande romancista Domingos Olímpio e que com o poeta Antonio Girão Barroso gerou 10 filhos, despontando como primogênita minha mulher Maria Luiza, esta de excessivos méritos. Por outro lado, quero manifestar meu agradecimento à instituição Oboé Cultural na pessoa do seu fundador e presidente, Dr. José Newton de Freitas. Newton vem de uma dinastia de intelectuais nascidos no Piauí, destacando-se D. Amélia de Freitas Beviláqua, prima legítima do Senhor Freitinhas, o pai de Newton. Como sabem, Amélia era intelectual vivamente reconhecida como romancista no Rio de Janeiro e resolveu candidatar-se à uma vaga na Academia Brasileira de Letras. Foi a pioneira. Muito antes de Rachel de Queiroz. A Academia não aceitou a inscrição sob o especioso pretexto de que o Regimento da Academia só permitia o acesso a Brasileiro, não aludia a Brasileira. Clóvis Beviláqua, seu marido e o maior jurista brasileiro, produziu substancial parecer contrário aos argumentos da Academia. A Academia permaneceu irredutível; não aceitou a inscrição. Clóvis, em solidariedade à sua mulher por quem tinha veneração, daí em diante jamais adentrou à Academia da qual era Sócio Efetivo. Pois bem, na trajetória de Amélia, os Freitas seguiram brilhantemente; Alcir, Clodoaldo e Lucidio Freitas, fundaram a Academia Piauiense de Letras, mas a maior relevância é dirigida a JOSÉ NEWTON DE FREITAS, o poeta, homônimo do nosso anfitrião. Dele diz um autor: “José Newton de Freitas foi o poeta de toda a literatura brasileira com menos tempo de vida. Passou como uma estrela cadente e morreu com pouco mais de 19 anos, tuberculoso. Em sua aparição brilhante e fugaz no firmamento das letras, ele não teve tempo sequer de ver publicado seu único livro, Deslumbrado, editado dois meses depois de sua morte, como homenagem paterna. Mesmo com vida tão curta e obra escassa, afirmou-se como um introdutor do Modernismo no Estado”. Por intermédio do Presidente José Augusto Bezerra, passo às mãos de José Newton de Freitas, Presidente da Oboé Cultural e membro da Academia Fortalezense de Letras, a biografia e as poesias do outro José Newton de Freitas.
Vamos ao Manezinho!
Há que rememorar; Manezinho, em 1884, aos 18 anos, por provável influência de um tio padre, foi indicado para servir ao Arcebispo D. José Joaquim Vieira, paulista de postura fidalga; Manezinho viu-se designado Porteiro do Palácio do Bispo e auto-intitulou-se Porteiro da Religião. No dizer de Otacílio Azevedo, era o “Argus” do Palácio. Residia o Arcebispo na melhor casa de Fortaleza, construída para residência do comendador Joaquim Cruz Guimarães, da rica família de Canindé e adquirida pelo Governo Imperial para residência episcopal. De imponente prédio só havia pálida comparação com a residência do Senador Miguel Fernandes Vieira, no cruzamento da Senador Alencar com Senador Pompeu, onde funciona o Arquivo Público; ainda não havia o Palacete do Vice-Presidente Carvalho Mota, na confluência da Pedro Pereira com a rua General Sampaio; não havia o belíssimo prédio da Fênix Caixeiral; não havia o Palácio Guarany; o palácio do governo estadual não lhe estava à altura; enfim, um belo palácio encravado em um terreno de quase 4 hectares atravessado pelo riacho Pajeu e guarnecido por frondosas árvores, pomares e jardins e com vistas para a Catedral e nas proximidades do Seminário. A cidade vivia em função do Arcebispo, cortejado por todos. Eis que em 1915, Álvaro da Cunha Mendes funda o jornal Correio do Ceará e coloca o órgão noticioso à disposição do Arcebispado. O jornal, que se transformou no principal órgão da imprensa, tornou-se o órgão oficioso da Igreja Católica. Diz Manezinho, no artigo de 07 de julho de 1920, (p. 209) que A. C. Mendes, nome porque ficou conhecido Álvaro da Cunha Mendes, teve a delicadeza de convidá-lo para colaborar em seu jornal. Acrescenta: “eu mostrei-me frio misterioso, julgando-me incapaz de dar contas, faço ver que se for grátis, prestarei serviços independente de política, e sim a bem do próximo”. Isso ele diz em 1920, mas de fato já estava colaborando desde 1916.
No linguajar moderno poderíamos dizer que Manezinho era um marqueteiro ou midiático; na página 153 está escrito: “A 22 de maio mandei tirar ½ dúzia de photographias que offereci aos exmos. Srs. D. Manoel Gomes, Mons. Joaquim de Mello, padre reitor do Seminario, Pe. Francisco Silvano de Sousa, Sr. A. C. Mendes e exma. Sra. D. Maria Christina, como desejava dar a todos os meus amigos o meu retrato, mandei fazer este clichê que fica mais barato e á disposição dos senhores que comprarem o jornal “Correio do Ceará” e dos confrades escriptores e da imprensa. Fortaleza 2 de setembro de 1919. Disse. Manoel C. Rocha”.
Era um vanguardista. Quem, hoje, teria coragem de fazer isso? É por essa e outras que o historiador Raimundo Girão disse que sobre Manezinho do Bispo daria para escrever um grosso livro. Com prestígio adquirido por servir tão proximamente ao Arcebispo, Manezinho penetrou em todos os círculos da cidade, a ponto de informar no dia 12 de janeiro de 1920 (p. 175) que no dia 1º “a uma hora e meia da tarde, fui à Palácio visitar o exmo. dr. João Thomé, a que tenho tanto admiro e tenho como amigo particular, elle tem muitas boas qualidades, é um homem honesto, prudente e trabalhador”. Muitos dos seus artigos não guardavam qualquer harmonia com a realidade e eram objeto de comentários jocosos, mas guardados na memória popular. Veja-se a Advertência Astronômica (p. 212): “O menino representa o sol nascente, o moço o sol zênite no meio dia, o velho representa o sol poente. O homem o puro sol, a mulher, a bela lua. A menina representa a lua nova. A moça, a lua quarto crescente, a mulher casada, a lua cheia. A viúva idosa, a lua minguante”. Em uma história para a mocidade (p. 192), ele diz “a rocha vertia água e a bezerra bebia, que vidão”. Na humildade contra a soberba (p. 241), adverte: “Guardemos de falar daqueles que se nos mostram mal afeiçoados ou mal contentes de nós. Esta máxima popular de um apostolo moderno serve para mim e os outros. Cautela com a língua”.
Esta dieta a que se impôs, estampada no dia 5 de novembro de 1917 (p. 78)!: “Comer carne só nas segundas-feiras e terças; domingo, quarta e sexta feira, fructas; quinta feira e sabbado peixes, do mar e d´ água doce. Bananas e cebolas também serve. Conforme as circunstancias da vida. Usa-se também de ovos, com legumes. Basta”. No final, “Viva + D. Quintino, Bispo do Crato. Felicitações”.
E esta recomendação da p. 230!: “O peixe camurupim assado e comido com banana e farinha é bom para afugentar a tosse, e se o peixe for gordo ainda melhor, este remédio é fallivel, pois nem todos tem o mesmo calibre”.
Sobre suas conferencias que eram pagas e proferidas separadamente para homens e mulheres, na pág. 87 agradece o comparecimento do jornalista e bacharel Eladio Bedê (pai do empresário Eládio Bedê e do José Moacir Pamplona Bedê) que “veio em nome do exmo. A. Mendes, representante da imprensa católica para assistir a conferencia sobre os astros, a 1 hora da tarde na minha residência”.
E o presente para os tipógrafos! Ao completar 35 anos de residência no Palácio, Manezinho (p. 113) resolveu dar um presente aos tipógrafos do Correio do Ceará. E que presente, em sinal de muita consideração: “Note bem! O presente é uma dúzia de optimos pães”.
O artigo de 26 de janeiro de 1920 (p. 179) é dedicado ao Cel. Philomeno Gomes, avô do “seu” Chico Philomeno. Reporta-se aos cigarros Acácia e Violeta. Diz: “Estas marcas de cigarros carteiras é apreciada, ella moça alegre está rindo-se de algum, que as vezes para distrahir abraça o fumo que não se tendo cuidado prejudica a saúde, serve para termos cautella, e rarar vezes fumar, e o peior é que se não tem o cuidado de lavar a boca depois. É que deve-se fazer em todo o caso. Avisa o amigo da mocidade brasileira”.
Ao completar 57 anos, o Correio do Ceará (p. 299) deu a noticia do aniversário de Manezinho, esclarecendo aos leitores que se tratava do popularismo cearense autor de variados opusculos e de “Maximas de Pensamentos” de um outro dedicado “à minha ex-mãe” (porque já falecida”; acrescentava o articulista que, “documentando mais uma vez sua originalidade, o anniversariante veio à nossa redacção deixar-nos uma caixa de phosphoros cheia de coupons da “Ceará Tamways” para os pobres de S. Vicente de Paulo”.
Já me estendi bastante. Somente mais duas para justificar porque Manezinho utilizava-se do dístico V+ D (Viva + Deus) e na p. 135, de modo singular, utilizou VIVA + CHRISTO. Estou convicto de que Manezinho, a exemplo de dois jesuítas que eram porteiros de suas casas missionárias, era um Santo.
Na página 260, numa época em que se pensava que a santidade era propriedade privada dos padres, monges, frades e freiras, deixando os leigos ao largo, Manezinho intuiu que “a vocação religiosa é um ardente desejo que a pessoa tem de se consagrar ao Deus de bondade, alguém tendo duvida faça um bom exame de consciência. Pois a vocação não tem só aquelle que se ordena de Padre e recebe o habito de frade, e celebram a Santa missa; tem todos que buscam a gloria de Deus, e procurem amiudadas vezes visitar o SS Sacramento do Altar, onde Elle reside chamando a todos, com especialidade aquelles que coração o servem se consagram para sempre”. Cada um é chamado à Santidade no seu estado, como está definitivamente esclarecido.
Além da fé em Deus, Manezinho tinha obras de caridade a mostrar. E ele revela sua preocupação com a obra que criara – O PÃO DE SÃO JOSÉ. Diz ele na p. 195: “Eu espero no bom Jesus, que esta modesta obra não morrerá com o meu desaparecimento da face da terra. Porque a caridade, viverá para sempre. S. José era pobre, porém tinha a graça de Deus, e possuía todas as virtudes. Imitemos”.
Para encerrar e consolar Manezinho, tão preocupado com a virtude teologal da Caridade, mais uma vez evoco, do Padre Valdivino Nogueira, o nosso maior orador sacro falecido em 1921, e tão mencionado pelo Manezinho em seus escritos, e não superado sequer por Monsenhor Alfredo Furtado, alguns versos do poema intitulado
A GLORIA DAS VIRTUDES
As glórias desta vida são quimeras
Que o sopro do infortúnio desvanece;
A estrela que um momento esplende e brilha
Morre em seguida e todo o mundo a esquece.
Não são assim as glórias da virtude,
Dessa virtude máscula, divina,
Que Jesus ensinou entre as amarguras,
E entre amarguras sua Igreja ensina.
Essas não morrem, não fenecem nunca,
Essas não murcham, que são vida e graça;
Essas perduram porque são de Deus
E Deus é sempre, e o que é de Deus não passa.
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