GRAVE ERRO JUDICIÁRIO (I)

Muito já se escreveu sobre o assassinato do Comendador José Nogueira Amorim Garcia, fato ocorrido na noite do dia 10 de março de 1894, em Quixeramobim. O Comendador era figura de realce nos meios econômicos e políticos do Ceará. Gustavo Barroso, em À Margem da História do Ceará, diz que leu cuidadosamente os autos do processo, para concluir que “tudo leva a crer que, de fato, Fausto Lessa mandou executar o crime pela mão venal de Irineu Dias”, não obstante reconhecer algumas incoerências, citando como exemplo o caso da primeira testemunha, esposa do promotor, que declarou “ter visto com um binóculo”, na noite que estava clara, o indigitado Fausto na porta de sua residência. Gustavo Barroso narra os acontecimentos com detalhes, secundado pelos historiadores Julio Abreu e Fernando Câmara, nas Revistas do Instituto do Ceará, de 1957 e de 1994, respectivamente. Suprindo a lacuna existente nos estudos dos aludidos historiadores, transcrevo do Livro 61-C, Caixa 22, do Fundo: Presidência do Estado do Ceará, Série: Portarias, documento existente no Arquivo Público do Ceará, a Portaria seguinte:
O Presidente do Estado, no uzo da atribuição que lhe confere o artigo 59, nº 14 da Constituição do Estado e da Lei nº 19 de 17 de Outubro de 1892:
Considerando que os réos Fausto Augusto dos Santos Lessa e Francisco Xavier Mucuba foram processados, pronunciados e condenados no mesmo processo pelo jury de Quixeramobim a 30 annos de prisão simples, como auctores do assassinato do Comendador José Nogueira Amorim Garcia, occorrido n´aquella cidade a 10 de Março de 1894;
Considerando que, como expuseram circunstanciadamente os réos, nas suas petições devidamente instruídas, a instauração do summario resente-se da influencia do meio e das paixões que então se agitaram sob o influxo desordenado de resentimentos e prevenções contra os peticionários, de modo que, encaminhada a prova sobre a idéia preconcebida da auctoria dos réos a orientação das autoridades locaes subordinou-se a esse ponto exclusivo, fixa na investigação do facto criminoso;
Considerando que, que toda prova accumulada nos autos contra os réos, embora circunstancial, entrelaçada de conjecturas e suspeitas, sem especificação de factos positivos, não chegou a produzir uma convicção inabalável, quiçá a certeza moral da autoria dos réos e sua culpabilidade, attinente ao facto criminoso;
Considerando que na noite da perpetração do delito desappareceu de Quixeramobim Irineu Dias, fugindo em direcção ao Piauhy; cuja fuga, unida à circunstancia de haver sido encontrado junto ao cadáver da vitima um cacête de bater cal, reconhecido desde logo como pertencente a Irineu, e aviriguado ter sido o instrumento do crime, levantou a mais grave, fundada e irresistível suspeita de ter elle tomado parte na execução do bárbaro attentado;
Considerando que preso no Ipu e interrogado depois, se as primeiras declarações de Irineu comprometteram os réos, é certo também que depois de condenado pelo jury, perdida toda esperança e cedendo ao impulso irresistível da consciência, Irineu confessou que elle somente fora o auctor e executor do crime, sem intervenção, deliberação ou mandato de pessoa alguma;
Considerando que essa confissão de Irineu acaba de ser renovada recentemente nesta Capital, em seu interrogatório perante o Chefe de Polícia do Estado, no qual, de modo mais claro, espontâneo, livre de toda coacção, affirmou resolutamente que a morte do desventurado Commendador Garcia foi obra exclusivamente sua, sem participação dos outros responsáveis, aos quaes a justiça accuzou e condemnou;
Considerando que essa ultima confissão de Irineu, feita com firmesa e sinceridade, após dez annos do facto criminozo, com a exposição minuciosa de factos verosimeis e acceitaveis que coincidem com as circunstancias precedentes e subseqüentes do crime, produz um abalo profundo na estructura do processo, no que respeita a criminalidade dos réos, ou estabelece, quando menos, um estado de vaccilação, duvida, e incerteza sobre a auctoria do homicídio que o jury reconheceu;
Considerando que os réos já cumpriram mais da terça parte da pena e ambos se acham affetados de moléstia incurável e pela expiação já soffrida, a par da boa conducta e correcção, merecem a graça que impetraram;
Considerando que se acham extinctos os recursos ordinários,
Resolve, em commemoração da data da promulgação da Constituição do Estado, perdoar aos mesmos réos Fausto Augusto dos Santos Lessa e Francisco Xavier Mucuba, o resto das penas que faltam cumprir, ficando, porem, este acto dependente da approvação do Poder Legislativo.
Palácio da Presidência do Ceará, Fortaleza, em 12 de Julho de 1904

Dr. Pedro Augusto Borges
Antonio Sabino do Monte

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