O Porteiro da Religião

Lançamento na Oboé Cultural

14 out 2010

Explanação proferida por Geová Lemos Cavalcante

Senhoras e Senhores, boa noite!

Estamos aqui para evocarmos a memória da maior figura popular do Ceará; trata-se de Manoel Cavalcante Rocha ou Manoel C. Rocha ou M. C. Rocha, como se assinava, ou simplesmente MANEZINHO DO BISPO, como ficou conhecido. Este livro, intitulado O PORTEIRO DA RELIGIÃO – Os escritos do Manezinho do Bispo – não é de minha autoria. O autor é Manezinho. Eu só tenho um mérito: consegui reunir quase integralmente os opúsculos e catalogar 234 artigos do Manezinho publicados no jornal Correio do Ceará entre os anos de 1916 a 1923. Manezinhho tinha o desejo de publicar esses artigos como registrou no dia 30 de junho de 1919 (fls. 138); morreu aos 57 anos de idade em 30 de julho de 1923 sem concretizar esse desejo. Os detalhes da elaboração desta Pesquisa estão registrados na Nota Explicativa, mas ainda assim permito-me dizer que fui à Biblioteca Nacional no Rio de Janeiro e manualmente copiei 73 artigos do Manezinho inseridos na Coleção do Correio do Ceará pertencente ao acervo daquela instituição. Somente uma entidade do porte da Oboé Cultural poderia resgatar essa Coleção, não podemos esperar pela ação tardia ou nunca do poder público. Lá, tirei 10 fotografias para comprovação da existência da Coleção; peço escusas pela imperfeição técnica das fotos constantes do livro, pois sou inábil nesse ofício; no livro, introduzi 60 anotações; poderia ter feito 100, mas achei prudente reduzir para não tornar a obra muito densa; me arrependi. Muitos não entenderão o que pretendia o Manezinho com a sua linguagem cifrada e enigmática ou tosca, como dizia. Querem um exemplo? D. Joaquim José Vieira renunciou à Arquidiocese e foi morar numa casa pertencente à União do Clero, onde hoje funciona o Grupo Escolar Clóvis Beviláqua na Avenida Dom Manoel. Tempos depois, D. Joaquim retornou para Campinas, em São Paulo. Alguém chamou Manezinho de ingrato por não haver acompanhado D. Joaquim, o seu grande protetor. Manezinho candidamente respondeu nas páginas 319: “O escriptor destas linhas, não deixou o seu bom patrão, como alguem pensou, elle é que foi embora, neste caso, Deos o leve a salvamento, que seja bem feliz em S. Paulo, terra simpathica”.

Mas antes de fazer uma breve explanação sobre alguns aspectos da obra de Manezinho, de si redundante em razão das palavras do professor Horácio Dídimo, quero cumprimentar os presentes na pessoa do Frei Roberto Magalhães, com vigorosos 90 anos de idade, homem santo e intelectualmente aprimorado: tradutor de italiano e de latim e estudante de inglês e que muito me tem ajudado espiritual e intelectualmente. E da matriarca Alba Cavalcante Barroso, sobrinha-neta do grande romancista Domingos Olímpio e que com o poeta Antonio Girão Barroso gerou 10 filhos, despontando como primogênita minha mulher Maria Luiza, esta de excessivos méritos. Por outro lado, quero manifestar meu agradecimento à instituição Oboé Cultural na pessoa do seu fundador e presidente, Dr. José Newton de Freitas. Newton vem de uma dinastia de intelectuais nascidos no Piauí, destacando-se D. Amélia de Freitas Beviláqua, prima legítima do Senhor Freitinhas, o pai de Newton. Como sabem, Amélia era intelectual vivamente reconhecida como romancista no Rio de Janeiro e resolveu candidatar-se à uma vaga na Academia Brasileira de Letras. Foi a pioneira. Muito antes de Rachel de Queiroz. A Academia não aceitou a inscrição sob o especioso pretexto de que o Regimento da Academia só permitia o acesso a Brasileiro, não aludia a Brasileira. Clóvis Beviláqua, seu marido e o maior jurista brasileiro, produziu substancial parecer contrário aos argumentos da Academia. A Academia permaneceu irredutível; não aceitou a inscrição. Clóvis, em solidariedade à sua mulher por quem tinha veneração, daí em diante jamais adentrou à Academia da qual era Sócio Efetivo. Pois bem, na trajetória de Amélia, os Freitas seguiram brilhantemente; Alcir, Clodoaldo e Lucidio Freitas, fundaram a Academia Piauiense de Letras, mas a maior relevância é dirigida a JOSÉ NEWTON DE FREITAS, o poeta, homônimo do nosso anfitrião. Dele diz um autor: “José Newton de Freitas foi o poeta de toda a literatura brasileira com menos tempo de vida. Passou como uma estrela cadente e morreu com pouco mais de 19 anos, tuberculoso. Em sua aparição brilhante e fugaz no firmamento das letras, ele não teve tempo sequer de ver publicado seu único livro, Deslumbrado, editado dois meses depois de sua morte, como homenagem paterna. Mesmo com vida tão curta e obra escassa, afirmou-se como um introdutor do Modernismo no Estado”. Por intermédio do Presidente José Augusto Bezerra, passo às mãos de José Newton de Freitas, Presidente da Oboé Cultural e membro da Academia Fortalezense de Letras, a biografia e as poesias do outro José Newton de Freitas.

Vamos ao Manezinho!

Há que rememorar; Manezinho, em 1884, aos 18 anos, por provável influência de um tio padre, foi indicado para servir ao Arcebispo D. José Joaquim Vieira, paulista de postura fidalga; Manezinho viu-se designado Porteiro do Palácio do Bispo e auto-intitulou-se Porteiro da Religião. No dizer de Otacílio Azevedo, era o “Argus” do Palácio. Residia o Arcebispo na melhor casa de Fortaleza, construída para residência do comendador Joaquim Cruz Guimarães, da rica família de Canindé e adquirida pelo Governo Imperial para residência episcopal. De imponente prédio só havia pálida comparação com a residência do Senador Miguel Fernandes Vieira, no cruzamento da Senador Alencar com Senador Pompeu, onde funciona o Arquivo Público; ainda não havia o Palacete do Vice-Presidente Carvalho Mota, na confluência da Pedro Pereira com a rua General Sampaio; não havia o belíssimo prédio da Fênix Caixeiral; não havia o Palácio Guarany; o palácio do governo estadual não lhe estava à altura; enfim, um belo palácio encravado em um terreno de quase 4 hectares atravessado pelo riacho Pajeu e guarnecido por frondosas árvores, pomares e jardins e com vistas para a Catedral e nas proximidades do Seminário. A cidade vivia em função do Arcebispo, cortejado por todos. Eis que em 1915, Álvaro da Cunha Mendes funda o jornal Correio do Ceará e coloca o órgão noticioso à disposição do Arcebispado. O jornal, que se transformou no principal órgão da imprensa, tornou-se o órgão oficioso da Igreja Católica. Diz Manezinho, no artigo de 07 de julho de 1920, (p. 209) que A. C. Mendes, nome porque ficou conhecido Álvaro da Cunha Mendes, teve a delicadeza de convidá-lo para colaborar em seu jornal. Acrescenta: “eu mostrei-me frio misterioso, julgando-me incapaz de dar contas, faço ver que se for grátis, prestarei serviços independente de política, e sim a bem do próximo”. Isso ele diz em 1920, mas de fato já estava colaborando desde 1916.

No linguajar moderno poderíamos dizer que Manezinho era um marqueteiro ou midiático; na página 153 está escrito: “A 22 de maio mandei tirar ½ dúzia de photographias que offereci aos exmos. Srs. D. Manoel Gomes, Mons. Joaquim de Mello, padre reitor do Seminario, Pe. Francisco Silvano de Sousa, Sr. A. C. Mendes e exma. Sra. D. Maria Christina, como desejava dar a todos os meus amigos o meu retrato, mandei fazer este clichê que fica mais barato e á disposição dos senhores que comprarem o jornal “Correio do Ceará” e dos confrades escriptores e da imprensa. Fortaleza 2 de setembro de 1919. Disse. Manoel C. Rocha”.

Era um vanguardista. Quem, hoje, teria coragem de fazer isso? É por essa e outras que o historiador Raimundo Girão disse que sobre Manezinho do Bispo daria para escrever um grosso livro. Com prestígio adquirido por servir tão proximamente ao Arcebispo, Manezinho penetrou em todos os círculos da cidade, a ponto de informar no dia 12 de janeiro de 1920 (p. 175) que no dia 1º “a uma hora e meia da tarde, fui à Palácio visitar o exmo. dr. João Thomé, a que tenho tanto admiro e tenho como amigo particular, elle tem muitas boas qualidades, é um homem honesto, prudente e trabalhador”. Muitos dos seus artigos não guardavam qualquer harmonia com a realidade e eram objeto de comentários jocosos, mas guardados na memória popular. Veja-se a Advertência Astronômica (p. 212): “O menino representa o sol nascente, o moço o sol zênite no meio dia, o velho representa o sol poente. O homem o puro sol, a mulher, a bela lua. A menina representa a lua nova. A moça, a lua quarto crescente, a mulher casada, a lua cheia. A viúva idosa, a lua minguante”. Em uma história para a mocidade (p. 192), ele diz “a rocha vertia água e a bezerra bebia, que vidão”. Na humildade contra a soberba (p. 241), adverte: “Guardemos de falar daqueles que se nos mostram mal afeiçoados ou mal contentes de nós. Esta máxima popular de um apostolo moderno serve para mim e os outros. Cautela com a língua”.

Esta dieta a que se impôs, estampada no dia 5 de novembro de 1917 (p. 78)!: “Comer carne só nas segundas-feiras e terças; domingo, quarta e sexta feira, fructas; quinta feira e sabbado peixes, do mar e d´ água doce. Bananas e cebolas também serve. Conforme as circunstancias da vida. Usa-se também de ovos, com legumes. Basta”. No final, “Viva + D. Quintino, Bispo do Crato. Felicitações”.

E esta recomendação da p. 230!: “O peixe camurupim assado e comido com banana e farinha é bom para afugentar a tosse, e se o peixe for gordo ainda melhor, este remédio é fallivel, pois nem todos tem o mesmo calibre”.

Sobre suas conferencias que eram pagas e proferidas separadamente para homens e mulheres, na pág. 87 agradece o comparecimento do jornalista e bacharel Eladio Bedê (pai do empresário Eládio Bedê e do José Moacir Pamplona Bedê) que “veio em nome do exmo. A. Mendes, representante da imprensa católica para assistir a conferencia sobre os astros, a 1 hora da tarde na minha residência”.

E o presente para os tipógrafos! Ao completar 35 anos de residência no Palácio, Manezinho (p. 113) resolveu dar um presente aos tipógrafos do Correio do Ceará. E que presente, em sinal de muita consideração: “Note bem! O presente é uma dúzia de optimos pães”.

O artigo de 26 de janeiro de 1920 (p. 179) é dedicado ao Cel. Philomeno Gomes, avô do “seu” Chico Philomeno. Reporta-se aos cigarros Acácia e Violeta. Diz: “Estas marcas de cigarros carteiras é apreciada, ella moça alegre está rindo-se de algum, que as vezes para distrahir abraça o fumo que não se tendo cuidado prejudica a saúde, serve para termos cautella, e rarar vezes fumar, e o peior é que se não tem o cuidado de lavar a boca depois. É que deve-se fazer em todo o caso. Avisa o amigo da mocidade brasileira”.

Ao completar 57 anos, o Correio do Ceará (p. 299) deu a noticia do aniversário de Manezinho, esclarecendo aos leitores que se tratava do popularismo cearense autor de variados opusculos e de “Maximas de Pensamentos” de um outro dedicado “à minha ex-mãe” (porque já falecida”; acrescentava o articulista que, “documentando mais uma vez sua originalidade, o anniversariante veio à nossa redacção deixar-nos uma caixa de phosphoros cheia de coupons da “Ceará Tamways” para os pobres de S. Vicente de Paulo”.

Já me estendi bastante. Somente mais duas para justificar porque Manezinho utilizava-se do dístico V+ D (Viva + Deus) e na p. 135, de modo singular, utilizou VIVA + CHRISTO. Estou convicto de que Manezinho, a exemplo de dois jesuítas que eram porteiros de suas casas missionárias, era um Santo.

Na página 260, numa época em que se pensava que a santidade era propriedade privada dos padres, monges, frades e freiras, deixando os leigos ao largo, Manezinho intuiu que “a vocação religiosa é um ardente desejo que a pessoa tem de se consagrar ao Deus de bondade, alguém tendo duvida faça um bom exame de consciência. Pois a vocação não tem só aquelle que se ordena de Padre e recebe o habito de frade, e celebram a Santa missa; tem todos que buscam a gloria de Deus, e procurem amiudadas vezes visitar o SS Sacramento do Altar, onde Elle reside chamando a todos, com especialidade aquelles que coração o servem se consagram para sempre”. Cada um é chamado à Santidade no seu estado, como está definitivamente esclarecido.

Além da fé em Deus, Manezinho tinha obras de caridade a mostrar. E ele revela sua preocupação com a obra que criara – O PÃO DE SÃO JOSÉ. Diz ele na p. 195: “Eu espero no bom Jesus, que esta modesta obra não morrerá com o meu desaparecimento da face da terra. Porque a caridade, viverá para sempre. S. José era pobre, porém tinha a graça de Deus, e possuía todas as virtudes. Imitemos”.

Para encerrar e consolar Manezinho, tão preocupado com a virtude teologal da Caridade, mais uma vez evoco, do Padre Valdivino Nogueira, o nosso maior orador sacro falecido em 1921, e tão mencionado pelo Manezinho em seus escritos, e não superado sequer por Monsenhor Alfredo Furtado, alguns versos do poema intitulado


A GLORIA DAS VIRTUDES

As glórias desta vida são quimeras

Que o sopro do infortúnio desvanece;

A estrela que um momento esplende e brilha

Morre em seguida e todo o mundo a esquece.

Não são assim as glórias da virtude,

Dessa virtude máscula, divina,

Que Jesus ensinou entre as amarguras,

E entre amarguras sua Igreja ensina.

Essas não morrem, não fenecem nunca,

Essas não murcham, que são vida e graça;

Essas perduram porque são de Deus

E Deus é sempre, e o que é de Deus não passa.

GEOVÁ LEMOS CAVALCANTE LANÇA “O PORTEIRO DA RELIGIÃO”

Com a expressiva presença dos seus companheiros do Rotary Clube Fortaleza-Alagadiço, destacando-se o Presidente Antonio Salvador da Rocha e os governadores Meton Vasconcelos, Agerson Tabosa Pinto e José Augusto Bezerra, Geová Lemos Cavalcante lançou na noite de 14 de outubro de 2010 o livro O PORTEIRO DA RELIGIÃO, no Centro Cultural Oboé. Ao ato compareceu o Presidente do Grupo Oboé, Dr. José Newton de Freitas. A apresentação do autor foi feita pelo Presidente do Instituto do Ceará, escritor José Augusto Bezerra, e a obra pelo professor e poeta Horácio Dídimo, da Academia Cearense de Letras, de forma singular haja vista que em forma de poesia, como segue:

MANEZINHO DO BISPO

Para Geová Lemos Cavalcante, cuja excelente pesquisa
nos trouxe de volta o famoso porteiro do arcebispado,
juntamente com a Fortaleza do tempo dos nossos avós.

Era Manoel C. Rocha
Um cronista original,
Porteiro palaciano,
Manezinho episcopal.

Jornaleiro da palavra,
Vendia com o jornal
Correio do Ceará
Artigos de sua lavra.

Mais pelo modo risão
Da sua seriedade
Criou fama na cidade.

Simplório de coração,
Seu lema era uma missão:
V + D: VIVA MAIS DEUS.

II

Dava lições generosas
De inocente astronomia,
Quem fosse vaidoso ou dosa
Jamais compreenderia.

Devoto de São José,
Como santo padroeiro,
Dedicou seus Pensamentos
Aos porteiros e porteiras.

Dava preferência àqueles,
Cujo nome de batismo
Era também Manuel.

Mas foi um chamado Pedro
Que também era colega
Que o recebeu lá no céu.

III

Era um cristão caprichoso,
Um pensador palavroso,
Às vezes disparatado
Em singelas investidas.

Sabia que um mar insosso
Seria desengraçado,
Pois com seu bondoso sal
Temperamos as comidas.

Manezinho bem que disse
Que jornal é para ler
Não é pra fazer embrulho.

Digo, então, que esta Pesquisa
É para ler e reler
E proclamar com orgulho.

Em seguida, Geová Lemos Cavalcante fez uma análise da Pesquisa efetuada, realçando alguns aspectos da vida do personagem Manezinho do Bispo, o maior tipo popular do Ceará, que durante 39 anos exerceu a função de Porteiro do Palácio do Bispo e por isso se auto-intitulou O PORTEIRO DA RELIGIÃO. A noite de autógrafos contou com a presença de 255 pessoas que se serviram de refinado coquetel.
DOAÇÃO DO VISITADOR ANTONIO PINTO DE MENDONÇA
Escritura de doação, para patrimônio, que faz o Reverendo Cônego Vizitador Antonio Pinto de Mendonça, de huma morada de casa na Villa de Quixeramobim, a seo sobrinho João Pinto de Mendonça, no valor de dous contos de reis, do que pagou sello, como abaixa se declara.
Saibam quanto este publico instrumento de escritura de doação, para patrimônio virem que sendo no Anno do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo, de mil oito centos cinqüenta e trez, aos vinte e seis do mez de Novembro, do dito anno nesta Capital do Ceará, em meo Escritório forão presentes partes justas e contractadas: a saber de huma como doador, o Reverendo Cônego Vizitador Antonio Pinto de Mendonça, e de outra como doado aceitante, seo Sobrinho João Pinto de Mendonça, pessoas que reconheço pelas próprias – maiores da excepção de que dou fé; e pelo doador me foi dito perante as testemunhas abaixo assignadas, que elle he Senhor e possuidor de huma morada de casa térrea na rua de Santo Antonio, ao lado da Igreja Matriz em Quixeramobim, e como a mesma casa se acha livre e desembaraçada, faz da mesma doação para patrimônio a seo Sobrinho João Pinto de Mendonça, com a condição porem de por morte delle doado passar aos herdeiros delle doante, visto que só faz doação para fins de patrimônio. E logo pelo doado foi dito, que elle aceitaria a presente escritura, com as condições da qual estava contente em virtude do que pagou o sello proporcional a consta do seguinte = Número treis. Pagou mi reis de sello. Ceará vinte e seis de Novembro de mil oito cento e cinqüenta e trez. Raposo. Pacheco. Em fé e testemunho de verdade assim o disserão, outorgarão e doarão e aceitarão, e eu Tabellião como pessoa publica estipulei e aceitei em nome do ausente a quem a favor desta tocar para, e a pedido dos outorgantes fiz a presente escritura nestas cotas, e por ser destribuida pelo distribuidor do foro. Raposo = a qual depois de lida assinarão perante as testemunhas Militão Jader Fiuza Lima e Durval Narbal Pamplona, maiores da excepção e conhecidos de mim Candido José Pamplona, primeiro Tabellião que escrevy.
Cônego Vigário Antonio Pinto de Mendonça
João Pinto de Mendonça
Durval Narbal Pamplona
(Extraído do Livro nº 2 Cartório Feijó – Novembro 1853 – Março 1857 – Fls, 2 e 2v)
DIZIMO DE GADOS GROSSOS

O Presidente da Província do Ceará, João Silveira de Souza, expede em 7 de abril de 1859 o seguinte ofício ao cônego Antonio Pinto de Mendonça, vigário de Quixeramobim e Visitador do Bispado de Olinda:
“O Presidente da Província, considerando sobre a matéria que lhe foi dirigida em 21 de fevereiro findo, pelo proprietário e criador do Município de Quixeramobim, Cônego Antonio Pinto de Mendonça, arrematante do dizimo de gados grossos do mesmo município em 1858, na qual consultou sobre o modo pelo qual se deve pagar o sobredito dizimo, em um ano posterior ao da arrematação, quando o respectivo arrematante não o procurou naquele, se em garrotes, como arrematara, ou se em bois feitos, à vista do tempo decorrido, e se no numero integral à ferra, ou com abate correspondente a cada ano de demora, além dos vinte por cento concedidos pela Lei no primeiro, e qual esse abate deve ser: considerando que sobre essa espécie é omissa a legislação, e que convém estabelecer-se a semelhante respeito alguma regra, quer a bem dos próprios criadores, quer da fazenda, declara que, dado o caso acima figurado, em que o arrematante por ato ou propósito seu não procurar no tempo competente a cobrança do seu dizimo, não tem direito de exigir do criador o mesmo numero de garrotes e muito menos de bois feitos, em qualquer ano que se apresente, pois que isto seria em prejuízo manifesto contra o criador, e com que se locupletaria o arrematante em conseqüência de sua própria culpa ou fraude; que em semelhantes circunstancias o criador só pode ser obrigado a pagar-lhe, ou o dito numero de garrotes com o abate de vinte por cento em cada ano, visto que o espírito da Lei é, que as perdas de cada ano são nessa relação, ou a pagar-lhe em bois feitos o numero daqueles que se verificar depois de examinadas as perdas reais sofridas pelo criador no lapso da mora do arrematante em juízo ou fora dele: cumpre, portanto, que esta decisão se observe na pratica, quanto for possível, em quanto de outro modo não resolve a semelhante respeito a assembléia legislativa provincial, à qual em tempo será submetida”.
VIÚVA CASA-SE COM NETO DO MARIDO
No dia 20 de julho de 1839, o Bispo de Olinda, D. João da Purificação Marques Perdigão, em sua primeira e única visita pastoral ao Ceará, pernoita no Boqueirão de Baixo, localidade situada no município de Russas, casa do tenente coronel José Leão da Cunha Pereira, homem rico e respeitado. Passa aí o dia imediato, ouve missa e crisma várias pessoas. Pernoita no dia 21 e prossegue no dia seguinte sua viagem em demanda de Fortaleza. D. Perdigão jamais poderia imaginar que pouco antes de completar 1 ano de sua visita, aquele local em que pernoitou seria cenário de um dos crimes mais cruéis que o Ceará já presenciou. Com um agravante, involuntariamente contribuíra para o acontecimento, pois sua dispensa de impedimento para que fosse celebrado o casamento religioso entre D. Joanna Sebastiana da Rocha Pita e Joaquim Manuel da Cunha foi o estopim que deflagrou as ações criminosas. João Brígido diz que a dispensa veio do Papa, enquanto Gustavo Barroso afirma que é do Bispo a dispensa. Do Papa ou do Bispo, houve a dispensa que ultrapassou o impedimento e propiciou as núpcias. Aos fatos! Muitos anos antes, Manuel Cunha Pereira, que se tornou o potentado daquela região, casou-se e desse relacionamento nasceram vários filhos, dentre eles o tenente-coronel José Leão da Cunha Pereira. Manuel ficou viúvo e tratou de casar-se com Joanna Sebastiana da Rocha Pita, nascendo os filhos Sabino da Cunha Pereira, de gênio terrível, exaltado e soberbo, e Salvador de Locio Sblitz Cunha, perversamente engraçado. Manuel morre, deixando Joanna viúva jovem. Tempos depois, surgiu o romance entre a ainda jovem viúva Joanna e o jovem capitão Joaquim Manuel da Cunha. Mas havia um empecilho canônico entre os dois. O Capitão Joaquim era neto de Manuel Cunha Pereira, o falecido marido de Joanna. Obtida a dispensa, houve o casamento sob o protesto dos filhos da viúva. João Brígido, com o seu modo cáustico de narrar, diz que na antiguidade as famílias ricas e afidalgadas do sertão casavam, como os gados, quase os pais com as filhas; tudo por amor dos haveres e da tribo! A parentela se dividiu. A maioria ao lado do casal Joanna-Joaquim Manuel. Poucos, com os filhos da viúva, Sabino e Salvador, e seu irmão paterno José Leão. Iniciou-se a luta. Joaquim Manuel foi morto em fins de 39. Joanna, viúva, ameaçada em sua fortuna e na vida de um filho que tivera de Joaquim, abandona a casa e procura refúgio. A vingança foi terrível. À frente dos vingadores estava Francisco José de Sant´Anna, conhecido por Pataca, cunhado de Joaquim Manuel. Pataca e seu bando ataca a casa de José Leão na madrugada do dia 18 de junho de 1840. Com exceção de José Leão e de sua mulher Maria Gomes, que se refugiaram na estribaria, os demais, considerada a inferioridade numérica frente aos assaltantes, permaneceram na casa e procuraram se abrigar em um quarto de paredes reforçadas e portas da maior resistência. Maria Gomes, antes de procurar abrigo na parte externa da casa, no intuito de proteger os que ficaram no quarto aparentemente seguro, lançou as chaves da porta em um pote d´agua. No interior do quarto encontrava-se uma pesada mala contendo munições e que foi colocada ao pé da porta para reforçar a segurança. Os vingadores derrubaram as portas de acesso à casa; ao constatarem que Sabino e os demais estavam no quarto reforçado, dentre os assassinos ergueu-se uma voz: “Façamos, como aos caitetús...venha lenha!”. Desmancharam uma cerca e encostaram a madeira na porta e atearam fogo. Só quando as labaredas começaram a crepitar, Sabino e outros tentaram reagir, mas não conseguiam sair da prisão involuntária. Num momento...e eram pouco mais de 6 horas da manhã do dia 18 de junho de 1840, um medonho estampido se fez ouvir uma légua em derredor da fazenda Boqueirão. O fogo, que tinha fendido a porta, comunicara-se à mala, e esta explodiu, levando pelos ares o pesado teto. No recinto abrasado, arrimadas às paredes do fundo, seis figuras humanas em carvão, algumas com os bacamartes entre as pernas. A nenhuma se podia ligar ao nome, tão desfiguradas e reduzidas estavam; apenas Sabino foi reconhecido por um brilhante que trazia na mão. Já à luz matutina, todos os esconderijos devassados e José Leão foi descoberto posto que estava escondido sob o corpo de Maria Gomes. Pataca, nada tendo contra ela, colocou a arma sobre os ombros de Maria e desfechou um tiro em José Leão, deitando-o por terra. Atiraram-lhe também os cunhados de Pataca, Manoel de Holanda da Cunha e José Francisco da Cunha; e este com o cabra Cabaceira, o acabaram, sangrando-lhe o pescoço, conclui João Brígido. Após a terrível cena, os assassinos passaram ao saque.
OS “ALFINETES” DO PADRE

14 DE DEZEMBRO DE 1801 – Francisco Bento Maria Targini, Escrivão da Provedoria da Fazenda no Ceará, escreve carta ao Padre Elias Pinto de Azevedo, morador em Almofala, nos seguintes termos: “O documento que Vm. me remetteu para cobrar a sua côngrua do tempo que diz servio de Vigário dessa povoação de d´Almofala, não é bastante para o dito effeito, visto que Vm. servio sem as competentes provisões. A respeito de Vm. me offerecer 50$000 para os alfinetes de minha mulher, sua criada, se me offerece dizer-lhe, que ella quando veio de Lisboa, trouxe já os alfinetes que lhe eram precisos para se pregar no Ceará, e que eu desculpo esta sua ouzadia attendendo a sua idade, demência e ao costume com que até a minha chegada se estava de se decidirem semelhantes questões por dinheiro, por ter sido aqui a venalidade companheira inseparável dos Magistrados e Fiscaes da Real Fazenda; o que Vm. sabe ser um crime horroroso e imperduavel em semelhantes homens”, transcreveu o Barão de Studart. Targini estava com a razão ao rejeitar a pretensão do Pe. Elias, pois este somente teria direito a receber a côngrua caso tivesse sido nomeado pároco colado; os registros confirmam que o Pe. Elias exerceu seu ministério como vigário encomendado e nessa condição sua remuneração era de responsabilidade dos seus fregueses. Este o principal motivo pelo qual os vigários encomendados viviam em situação de extrema penúria, pois os fiéis não estavam em condições de assumir as despesas dos vigários. O termo “alfinetes”, empregado pelo Padre Elias, tinha sua origem nas leis de 17 de agosto de 1761 e 4 de fevereiro de 1765, que estabeleceram o PACTO DOTALICIO, cumulativamente com o CONTRATO DOTAL. Pelo DOTALICIO a mulher tinha, no caso de viuvez, o direito de receber certos bens, frutos, pensões ou mesadas para seus ALFINETES. Esclarece Candido Mendes de Almeida, nos comentários ao Título XLVII do Livro Quarto das Ordenações do Reino, que ALFINETES tinham o significado de APANAGIOS e ALIMENTOS. Targini foi figura controversa, mas de reconhecida probidade; foi galgado ao cargo de Tesoureiro Mor do Real Erário do Reino do Brasil e criado Barão de São Lourenço por Decreto de 17.12.1817 e por outro de 3 de maio de 1819, Visconde do mesmo nome.



No dia 1º de maio de 1824 o Diário do Governo do Ceará, o primeiro jornal editado no Ceará e que tinha como redator Gonçalo Inácio de Loiola Albuquerque Mello, o Padre Mororó, almejando ser o porta-voz da Confederação do Equador, presidida por Tristão Gonçalves de Alencar Araripe, noticia que o Governo expedira oficio no dia 12 de abril ao Cabido da Diocese remetendo-lhe as requisições da Vila do Icó a favor do Padre Domingos da Mota Teixeira, já demitido do cargo de Vigário da Freguesia. O Governo dá os motivos para não serem aceitos os pedidos e solicita que seja preferido o Padre José da Costa Barros. A matéria é lacônica e não enuncia os motivos da recusa. A favor do Padre Costa Barros, o preferido, pesava o fato de ter participado ativamente do movimento republicano, que seu irmão Pedro José, Presidente (deposto) da Província do Ceará e futuro Senador, combatia. Não obstante, menos de dois depois, o Padre Domingos da Mota Teixeira, de volta ao seu paroquiato em Icó, é escolhido por Decreto do Imperador, datado de 22 de janeiro de 1826 e Carta Imperial de 19 de abril, Senador do Império. Ao seu lado estão os outros 3 primeiros Senadores da Província do Ceará: Coronel Pedro José da Costa Barros, o ex-Presidente, João Carlos Augusto de Oeynhausen Gravenburg, ex-Governador da Capitania do Ceará (13 nov 1803-25 set 1806) e futuro Marquez de Aracati, e o Dr. João Antonio Rodrigues de Carvalho. O Padre Domingos da Mota Teixeira fora escolhido de uma lista assim composta:
João Antonio Rodrigues de Carvalho 197 votos
Domingos da Mota Teixeira 169 “
Pedro José da Costa Barros 139 “
Manoel Felipe Gonçalves 108 “
Antonio Joaquim de Moura 105 “
Antonio de Castro Viana 96 “
José Raimundo de Passos Porbem Barbosa 92 “
João Carlos Augusto de Oeynhausen Gravenburg 83 “
Marcos Antonio Bricio 76 “
Gervásio Pires Ferreira 73 “
Mariano Gomes da Silva 68 “
Antonio José Moreira 65 “
O Senador-Padre Domingos Mota Teixeira não compareceu ao Senado para tomar posse e alegou seus motivos, por isso o Senado dirigiu oficio ao Ministro do Império em 22 de setembro de 1827 nos seguintes termos: “Reconhecendo o Senado a legitimidade dos impedimentos alegados por Domingos da Mota Teixeira, nomeado Senador pela Província do Ceará e havendo-o dispensado do exercício do referido cargo; me ordena que assim o participe a V. Excia. para levar ao conhecimento de S. M. o Imperador, a fim de se mandar proceder a nova eleição de pessoa que preencha aquela vaga”. José Marcelo Pinto (RIC – 1958) narra que o pleito eleitoral para a escolha do sucessor do Padre Domingos deu-se em luta acirrada. A eleição aconteceu em 1828, em dias diferentes, nos cinco Colégios da Província: Fortaleza, Crato, Aracati, Sobral e Icó, com o seguinte resultado:
Manuel Inácio de Carvalho Mendonça 110 votos
Manuel do Nascimento de Castro e Silva 91 “
João Vieira de Carvalho 74 “
D. Pedro I escolheu João Vieira de Carvalho, cujos adversários foram bater às portas do Senado, alegando falhas formais e suborno nos Colégios Eleitorais. Após vários enfrentamentos, afinal João Vieira de Carvalho (1º Barão e 1º Conde de Lajes e Marquez do mesmo título) foi nomeado na vaga do Padre Domingos da Mota Teixeira, representando o Ceará.